Rússia - Transiberiana

Parte I - Uma aventura sobre trilhos!

Transiberiana - Parte I

Provavelmente, quando alguém ouvir falar sobre a Transiberiana, ouvirá em forma de hipérbole: "A maior ferrovia do mundo!", "Uma das rotas mais impressionantes do mundo!", e por aí vai... mas, no caso dela, realmente, as expressões são verdadeiras. 

Afinal, são quase 10.000 km de extensão, oito fusos horários e, além de atravessar a Rússia, o maior país do mundo, ainda existe a possibilidade de continuar a viagem para outros países, como a Mongólia, China e Coréia do Norte.

Se pensarmos que a distância, por terra, entre as cidades de OiapoqueChuí, no Brasil, é de 5 mil e alguns quilômetros, atravessar esta ferrovia seria quase como se viajássemos o equivalente a dois "Brasis". Só que tem um pequeno detalhe: de trem!  

Mas afinal, o que é mesma a Transiberiana? Ela é uma ferrovia que foi criada durante o reinado do Czar Alexandre III, para alavancar o progresso da Sibéria, pois a falta de meios de transportes prejudicou o desenvolvimento e fez com que ela ficasse para trás, em relação às outras regiões do Império Russo

Para termos uma ideia de grandeza, se a viagem fosse ininterrupta, duraria em torno de 145 horas, ou seja, quase uma semana, até chegar em Vladivostok, no extremo oriente, próximo da divisa com a Coréia do Norte.

É claro que não seria muito interessante alguém fazer esta viagem sem nenhuma parada, a não ser que queira fazer um Big Brother sobre trilhos. Por isso, normalmente, quem se aventura a fazê-la, acaba optando por dividi-la em três ou mais paradas.

Como a Nay e eu já tínhamos ido até Kirov - para lerem o post sobre esta cidade (clique aqui), desta vez optei - pois viajei sozinho, por fazer mais duas paradas. A primeira, mais longa, em Novosibirsk, após de 55 horas de viagem e, a segunda, mais curta, em Irkutsk, após 32 horas. 

Coincidência ou não, foi justamente nestas cidades que o escritor Paulo Coelho parou, quando efetuou esta viagem. Lembrando que, pouco tempo depois, ele publicou um livro intitulado "O Expresso Transiberiano", relatando todos os detalhes da travessia.

Como havia lido que os preços das passagens compradas online eram superiores àqueles praticados nas estações, preferi ir pessoalmente, comprá-las.

A princípio, a única coisa familiar que visualizei nos tíquetes, foram os meus dados pessoais. Depois, com mais calma, reconheci alguns números, como datas e horários, mas acabou por aí o meu reconhecimento!

O restante das informações, como não sabia o significado das palavras que estavam escritas, representaram muito pouco para mim.

russia-transiberiana-tiquete-site.jpgTíquete da viagem de Moscou à Novosibirsk

O dia 09/08/2018 foi muito especial para mim, pois foi o início da concretização de um antigo sonho: realizar a travessia da Transiberiana!

Assim, um pouco antes das 23h05min, horário previsto para a partida, lá estava eu, pronto para embarcar, rumo à capital da Sibéria.

Antes de embarcar é o momento de dar um “oi” para algumas pessoas especiais, entre elas, a Aline, minha filha e a Nay, minha namorada. 

Este é o lado bom da tecnologia! Mesmo muito distante, quase no outro lado do mundo, em dois cliques, posso conectar-me, via Facetime, e conversar com elas, inclusive, com direito à imagem.

russia-transiberiana-partida-site.jpgAntes do embarque, rumo à Sibéria

Na entrada do trem, o procedimento é semelhante ao embarque em um avião. Devidamente uniformizadas, as “ferromoças” solicitam o passaporte e a passagem. Somente após a conferência é que os passageiros podemos entrar no trem.

Desta vez, eu optei por comprar uma passagem de terceira classe, denominada platskart, nem tanto pelo preço, que é um pouco inferior, mas para conhecer como era a viagem neste tipo de vagão. 

russia-transiberiana-interior-site.jpgInterior de vagão de terceira classe

Nesta classe, cada vagão possui 54 beliches, dispostas em báias, tendo quatro camas de um lado e, duas, do outro, com um corredor no meio. No final de cada vagão estão os toaletes.

Ah! E sem portas! Aliás, esta é uma das principais diferenças em relação à segunda classe, pois, no vagões de lá, as cabines são com portas.

Após a entrada, a "ferromoça" solicitou o meu tíquete e, simultaneamente, entregou-me os lençóis, a fronha e um pequena toalha. O restante (travesseiro, manta e edredom), já estávam disponíveis sobre as camas. 

russia-transiberiana-cabine-site.jpgVista frontal das camas, já desarrumadas

Logo na chegada fiz questão de comunicar meu nome, a cidade de destino e a satisfação de compartilhar a viagem com as minhas cinco novas "vizinhas".

Vizinhas porque eram quatros mulheres e uma menina, as quais, a princípio, iriam viajar comigo "algumas horas" - para ser mais preciso 55, isto, caso se elas fossem até Novosibirsk

Comunicar, na verdade, é força de expressão. Como eu não sei nada de russo e elas também não sabiam quase nada de inglês, assim como eu, a solução foi apelar para um aplicativo de tradução. Assim que elas leram o texto em russo, imediatamente, a menina disse: “My name is Veronika!

Após falar, ela olhou, com ar de felicidade para a senhora que estava ao lado e aparentava ser sua avó. Com um enorme sorriso no rosto, a menina parecia querer dizer: “Vovó, eu já sei falar inglês!”

Neste momento, eu fiz uma reflexão: como é bom existir paz entre os países. Ouvir e ver jovens falando inglês na Rússia é algo muito novo. Não podemos esquecer que, pouco tempo atrás, Rússia e Estados Unidos eram inimigos mortais.

russia-transiberiana-veronica-site.jpgVeronika e eu, após nos apresentarmos

Lembrei da outra viagem de trem que a Nay e eu fizemos até Kirov. Na oportunidade, um nativo de meia-idade, externou sua opinião a respeito do idioma russo, dizendo algo do tipo: a Rússia é a Rússia, ou seja, para muitos, principalmente para os mais velhos, falar russo é o suficiente.

Algo parecido com o que acontece em relação aos EUA: cabe as pessoas dos outros países, se quiserem, por interesse ou por necessidade, aprenderem o inglês.

Pontualmente, às 23h05min, lentamente, o trem partiu. Aliás, não apenas partiu, como continuou no mesmo ritmo. Ainda bem que aqueles que me conhecem dizem que sou paciente.

Afinal, seriam 55 horas de viagem e, estressar por causa da velocidade, mesmo o trem andando, praticamente, a 50 km por hora, não teria nenhum sentido, concordam ou não?

Após a tentativa de comunicação, enquanto fui ao banheiro, a Elvira e a Margô, estes eram os nomes de duas delas, já tinham posto à mesa para o café. Nesta hora ficou perceptível a hospitalidade do povo russo. Gentilmente, elas me convidaram para participar da refeição.

Com fartura de pães, salame, pepinos, tomates e bolinhos doce, aquilo não era um café. Era um verdadeiro banquete!

Considerando o adiantado da hora - quase meia-noite, imaginei o porquê de uma delas estar com o Índice de Massa Corporal - IMC, um pouco acima do ideal. Mas foi um pensamento muito rápido, que talvez nem merecesse ser citado.

Na verdade, o importante foi que, com certeza, este foi o primeiro “café comunitário russo-brasileiro”, no qual tive o prazer de participar! 

Após uma hora de viagem, as luzes se apagam quase que completamente. Para o bom entendedor, meia palavra basta, ou seja, é hora de dormir.

Por falar em dormir, com estas diferenças de fusos horários, desde que saí do Brasil, meu metabolismo ainda apresenta sinais de rebeldia para se acostumar.

Aqui na Rússia, esta rebeldia se acentuou mais ainda nesta viagem, pois se a diferença em Moscou já era de 6 horas, quanto mais próximo de Novosibirsk, ela aumentaria, até chegar em 9 horas.

São aqueles 8 furos horários que comentamos no início, se manifestando. Talvez por isso, desde que estou aqui na Rússia - e já são quase dois meses, raramente, eu consigo dormir antes das 2 horas da madrugada.

É claro que, como tudo na vida, existe um lado positivo: normalmente, aproveito este horário, que é mais tranquilo, para elaborar o material a ser publicado, tanto no site, como no Instagram. Por outro lado, levantar cedo no outro dia, é um verdadeiro sacrifício!

Assim, acabei ficando acordado um pouco mais. Nesse momento, levantei o olhar e vi um painel. Tentei decifrar as palavras. Não é fácil! Os russos utilizam o alfabeto cirílico.

No início, não entendemos nada, mas depois de alguns dias, talvez por curiosidade ou necessidade, começamos a interpretar o significado de algumas letras e, consequentemente, de algumas poucas palavras.

russia-transiberiana-painel-site.jpgPainel exposto no trem

Fiquei analisando as palavras. Lembrei que no embarque, a "ferromoça" confirmou que o vagão que iria viajar seria o nº 02 - são um total de quinze vagões.

Portanto, aquela palavra "BArOH" significava "vagon", ou algo parecido. Hummm...  o "B" = "v", "r" = "g" e "H" = "n". É uma espécie de trocadilho, em relação ao nosso alfabeto.

Além disso, talvez "TYA + aquela letra estranha + ET" = significasse "toalete", pois o painel estava localizado sobre a porta que dava acesso para ele. Neste caso, as mudanças foram o "y" = "u" e aquele "n invertido" = "L".  

E a outra palavra? Essa foi mais difícil. Mas descobri. Também trocando as letras? Não. Desta vez, por dedução. Ora, se cada vez que alguém entrava no toalete, a luz acendia, qual seria o significado?

Só poderia ser "Ocupado", concordam? Assim, a palavra que seria a mais difícil, acabou se tornando a mais fácil.

Assim que, trocando algumas letras, eu consegui entender a grafia de duas palavras em russo: vagão e toalete! Muito pouco, concordo, mas já era um começo!

É claro que aprender russo, pelo menos durante esta viagem, não é o meu objetivo. No entanto, eu creio que a sensação de felicidade de interpretar a grafia de uma ou duas palavras em outro idioma, deve ser a mesma de um analfabeto, ao aprender a ler as primeiras palavras em português.

Voltando ao assunto dos fusos horários, um detalhe importante é que, quando o trem chegasse em Novasibirsk, a diferença passaria a ser de 9 horas em relação à Moscou, pois não podemos esquecer que estamos indo em direção ao Oriente.

Lembram daquele famoso fuso horário de 12 horas, do Japão? Então, enquanto no Brasil ainda é meia-noite, lá já são meio-dia! 

Em resumo, quando percebi, já eram 3h da madrugada, mas o relógio do trem já estava marcando 6 horas! E, o pior, o dia já estava começando a clarear, pois aqui anoitece tarde e amanhece cedo. Já era passado o momento de eu aproveitar o balanço do trem e dormir.

No dia seguinte, às 14h, chegamos em Kirov. Nesta cidade acabou a viagem para a Elvira e para a Margô. Aproveitei para ajudá-las a descer com as bagagens e para tirarmos uma foto de recordação.

russia-transiberiana-amigas-site.jpgDespedida das minhas amigas russas

Após elas descerem, recomeçamos nossa viagem, sempre no balanço e no ritmo lento do trem. A Veronika e a vó dela continuaram até cidade de Omsk, mas, como o "estoque" de palavras de inglês dela tinha acabado, nosso diálogo ficou bem mais espaçado.

Um fato interessante que observei nesta viagem, foi o silêncio no vagão. E olha que era um vagão de terceira classe, ou seja, na teoria tinha tudo para ser barulhento e agitado. Não, muito pelo contrário!

Ninguém transporta qualquer tipo de aparelho de som e as pessoas falam em tom natural e, muitas até parecem que estão sussurando.

Ah! Além disso, a circulação dos passageiros no vagão, é mínima, ou seja, apenas a necessária: deslocamento aos toaletes, máquina de água quente, etc, exceto às crianças, mas, quanto a elas, é natural.

Nesse momento, não tem como deixar de refletir e imaginar como seria, caso esta viagem de trem fosse no nosso país. Provavelmente, alguns passageiros estariam escutando os mais variados estilos musicais, em alto volume e, talvez, não houvesse espaço para circulação no corredor. Nesse aspecto, temos que parabenizar a educação dos russos!  

Em Omsk, a Veronika e a vó dela desceram. De lá, até Novosibirsk, são "apenas" 8 horas de viagem, e como foi das 22 até às 6 horas do dia seguinte, praticamente, nada de novo aconteceu, e eu aproveitei para descansar e "tentar" dormir mais cedo.

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